O sentimento de familiaridade talvez tenha a ver com as minhas origens, em que o frio, o nariz gelado, as montanhas com neve eram uma constante durante os anos da minha adolescência. Mas este sentimento também está relacionado com algum dejá vu… estes homens de longos casacos e chapéus de cabedal faziam lembrar peruanos, andinos, não sei... Mas foi num café, estilo Starbucks, gerido por um fotógrafo americano que se apaixonou pelo Tibete que fiquei a saber um pouco mais. Diz-se que os índios americanos Navajos poderão descender de tibetanos que migraram para o norte da América através do estreito de Behring. E, na verdade, parecem-se muito com esse povo!
Todos sabem que o Tibete está envolto em acontecimentos menos felizes. E disso resultaram consequências graves que ditarão o futuro do Tibete, da sua cultura e do povo tibetano. Grupos de militares chineses patrulham as ruas diariamente, no terraço dos edifícios homens e câmaras garantem que nenhum movimento seja feito sem que seja vigiado. Nos mosteiros, monjas e monges tibetanos são cada vez menos devido ao limite imposto pelo governo central. Um novo e enorme bairro chinês cresce a bom ritmo. Nas ruas não se fala apenas tibetano, mas também mandarim. O Potala é cada vez mais um local pleno de história e nada mais. Defendo o Tibete e a cultura tibetana a património da humanidade! Os povos nómadas serão aqueles que vão manter a cultura intacta. Até quando? Não se sabe.
O primeiro impacto ao chegar é a falta de ar, o cansaço constante, as tonturas e o frio. Ainda no avião, avistavam-se as montanhas… cheias de neve. Uma imagem lindíssima! Também a turbulência foi elevada. Experienciei a turbulência mais preocupante que tive até hoje. O avião inclinou cerca de 45 graus em dois segundos… Ufa! Depois continuava a dançar que nem uma bailarina. No aeroporto, que fica a uma hora da cidade de Lhasa, somos recebidos com um katak (lenço branco que para além de dar as boas-vindas é também oferecido aos budas nos templos).
A cidade de Lhasa, situada a 3700m, é muito sossegada. Os cerca de 200 mil habitantes acordam entre as 8h e as 10h e recolhem a casa às 10h30. Entende-se porquê. Está muito frio na rua, pois a amplitude térmica é elevada (entre 14 graus e 2 graus) e as condições de aquecimento nas casas são praticamente inexistentes. Aqui usa-se máscara, não por causa da poluição, como noutras cidades chinesas, mas para proteger do frio. O povo é simpático e fala umas palavras de inglês, o suficiente para as trocas comerciais. Alo (hello), luki luki (look) e I lovi you são algumas das expressões usadas para chamar a atenção. A única palavra por mim usada em tibetano para estabelecer alguma comunicação era tashi delek (Olá). Uma zona pantanosa na envolvente da cidade é bastante importante para garantir os 60% de oxigénio existente. Abundam patos bravos.
De visita pelas zonas rurais, encontrávamos bastantes fitas com mantras nas cores do Tibete – azul, verde, amarelo, vermelho, branco – colocadas em pontes, porque ao estar próximo da água pedem ou agradecem o bom tempo, ou em montes, comunicando com os espíritos da saúde e da sorte. O incenso queima-se em todo o lado, assim como se usa o excremento de iaque (semelhante ao búfalo) como material combustível depois de seco. Também nas zonas rurais se come carne de iaque crua, bebe-se leite de vaca, pratica-se agricultura ao ar livre e em estufas. Vi também plantarem árvores junto a zonas ribeirinhas, cujo objectivo era criar equilíbrio na natureza e evitar que as areias se levantem e prejudiquem a aldeia. Pouco posso dizer sobre o budismo tibetano e suas crenças, pois é mais complicado do que possa parecer, no entanto há apego e respeito pela natureza que faz com que sintamos inveja. Ao contrário do que muitos possam pensar, os monges budistas não são vegetarianos. Não podem casar, não podem beber álcool.
Tuk xexé (obrigado) ao povo tibetano.
Notas:
-O monte mais alto a que subimos tinha 4441 metros de altitude, de onde se avistava um enorme lago azul-turquesa. Até chegar lá fizemos 36km de estrada a serpentear montes áridos, uma paisagem montanhosa de perder de vista.
-Ta shi Delek (olá)
-Galik shuk (adeus), ao que respondem, aqueles que ficam, galik pip.
-Viagem Cantão-chonqging-Lhasa. A sobrevoar a zona montanhosa entre Chonqging e Lhasa a turbulência é violenta e constante.
-Ao contrário de muita gente, adoro comida de avião, mesmo que seja asiática. Acho que a altitude provoca-me tal fome que como tudo o que me aparece à frente, até o que é mais esquisito, como beber iogurte natural e comer amendoins com um molho estranho, ao mesmo tempo.
-A moeda que circula no Tibete é o RMB Yuan, mas não sei porquê, não aceitam moedas.
-Os funcionários públicos não podem ser praticantes de budismo tibetano. Têm mais fácil acesso a estes cargos os chineses, em detrimento dos tibetanos.
-A agricultura e o turismo sustentam a economia. Várias gerações e famílias inteiras (pais, irmãos, esposas, etc) vivem na mesma casa, normalmente vivendo da agricultura. É normal haver apenas um salário a entrar em casa.
-Água canalizada não há. Nos pátios tudo gira em torno da fonte. Lavar os dentes, lavar a roupa, recolher água para cozinhar, lavar a louça, etc. Quando existe água canalizada, como nos hotéis, provém de depósitos colocados no terraço do edifício. Raras vezes há telhados, mas sim terraços. Uma óptima forma de aproveitar ao máximo o calor do sol.
-Vi duas famílias usarem uma máquina de lavar nesses pátios. A máquina está na rua, colocam a roupa, colocam a água. No final limpam a máquina, voltam a colocá-la na caixa de cartão e arrumam-na a um canto. As máquinas são diferentes, provavelmente adaptadas ao facto de não haver água canalizada.
- Os tibetanos andam sempre a rezar os mantras, como se murmurassem repetidamente.
- Cumprimentam-se com aperto de mão
- Na estrada, para avisar que a polícia está a fazer uma operação stop, fazem sinal de luzes; Ao atravessar túneis, em vez de ligarem os médios, ligam os quatro piscas.
Sensação de estar no tecto do mundo
Quando se chega, sente-se dificuldade em respirar, principalmente após subir algumas escadas, pois temos de subir mais devagar e mesmo assim ficamos exaustos, mas depois de um dia ou dois é como se estivesses em qualquer outro ponto do globo. O céu está sempre azul e as montanhas, com neve ou não, dão uma sensação de imensa liberdade. O frio magoa o nariz e seca a pele.
Sensação de estar no tecto do mundo
Quando se chega, sente-se dificuldade em respirar, principalmente após subir algumas escadas, pois temos de subir mais devagar e mesmo assim ficamos exaustos, mas depois de um dia ou dois é como se estivesses em qualquer outro ponto do globo. O céu está sempre azul e as montanhas, com neve ou não, dão uma sensação de imensa liberdade. O frio magoa o nariz e seca a pele.